Da série Polêmicas que eu entro sem querer entrar…
Alerta de gatilho
No Facebook uma pessoa autista postou uma notícia falando sobre uma mãe que matou os 2 irmãos e tentou suicídio. No post a pessoa diz que é mais um caso de capacistismo e que a mãe matou porque a criança é autista.
Eu quis fazer um contraponto, disse que realmente não foi certo o que ela fez, mas que ainda tinham muitas lacunas na história. A mulher era apontada como boa mãe, será que ela era só capacistista? Será que não era uma mulher sobrecarregada e adoecida por toda a situação? E o pai? Era presente? Aceitava o autismo da criança? Será que não estava em depressão? Enfim… foi apenas um comentário em meio a vários parecidos com o meu.
Uma outra pessoa comentou falando que não havia justificativa para um homicídio e o disse que se tenho essa opinião é porque sou capaz de fazer o mesmo. Ou seja, sou capaz de assassinar minha filha. Sem condições de continuar a discussão né?
Mas o que eu queria mesmo que a gente começasse a enxergar o problemão por trás de chamar uma mãe infanticida apenas de capacistista. Pode ser que ela seja? Pode ser sim, mas o que nós observamos é que as mães e cuidadoras de crianças com deficiência estão adoecidas, cansadas e exaustas. Nem sempre elas são capacitistas, mas a rotina difícil junto a depressão, com o abandono social, com a solidão de não ter com quem, faz ela ter vontade de sair desse mundo e levar os filhos junto.
As mulheres no geral, tem que lidar com a pressão social da maternidade o tempo todo! Recai sobre nós todos os cuidados dos filhos desde recém nascidos até sair de casa. Mesmo quando o pai é participativo, ainda assim a mulher tem mais responsabilidades. A carga mental ta aí para não me deixar mentir. Então falar sobre a sobrecarga materna e suas consequências não é algo sem importância!
Quando a gente fala de mães de crianças autistas ou com deficiência no geral, isso ainda tem mais peso. Poias a maioria não tem apoio e ainda circulam por aí muitas informações erradas e muitos profissionais sem capacitação para acompanhar.
Não há políticas públicas que auxiliem essas famílias a dar o tratamento adequado para seus filhos. Isso inclui desde remédios para comorbidades até terapias. E por causa desse abandono, muitas mães creem que o problema são seus filhos. Colocam a culpa no autismo, pois estão mergulhadas na dor de não poder ter uma vida social adequada.
Mas o autismo nunca foi o problema. Crianças autistas com tratamento adequado apresentam menos problemas comportamentais e assim, todos tem uma qualidade de vida melhor.
Eu estou aqui defendendo que matar os filhos ou culpar o autismo tem justificativa? NÃO! Eu estou aqui dizendo que quem cuida também precisa de cuidados! Que quem cuida adoece e estando adoecida pode ser um perigo para si própria ou para os filhos. Só não vê quem não quer.
Porque é importante traçar o perfil psicológico dessas mulheres? Porque esses dados tem que servir para fomentar políticas públicas (e privadas, porque não?) de cuidados para essas mulheres e seus familiares. Existe muita coisa que pode estar por trás de um comportamento extremo desse. Entender isso é evitar mais mortes e mais tristeza.
Eu sou mãe de criança autista, eu dedico meus dias a ler e aprender sobre autismo para dividir com vocês, mas principalmente para estar preparada para minha filha. Saber como o cérebro dela funciona me ajuda em várias coisas. Eu a amo profundamente! Dizer que eu tenho o potencial de matá-la é extremamente ofensivo.
E eu me pergunto quando as pessoas começaram a achar que tem direito de dizer isso para alguém que não conhece na internet? Eu compreendo que a notícia choca as pessoas e que causa desencontro de opiniões, mas acusar uma mãe de ter potencial de matar o filho é demais.
Eu não quero com esse texto causar uma discussão de quem está mais vulnerável, o autista ou a mãe. É claro que o mais vulnerável é o autista! E é exatamente por isso que as mães e cuidadores em geral precisam de acompanhamento e atendimento de qualidade. Esse assunto se faz extremamente importante e urgente!
Todos os anos muitas mães tiram suas vidas por não aguentarem tantos abandonos e violências. Desde o comentário maldoso de um familiar até matrícula negada na escola tudo é violência que essas mulheres são obrigadas a aguentar.
Eu poderia dizer que a solução é todo mundo ter acesso a psicólogo, e de fato é um meio eficaz de ajudar, mas o correto é que a inclusão fosse feita de forma correta e o capacitismo deixasse de existir. O problema nunca foi o autismo!
Precisamos urgentemente cuidar nós!
Simone Rocha